A maioria das mulheres não sabe que um gemido é mais afrodisíaco que catuaba e amendoim juntos. Pensou nisso enquanto comia a transtornada do quinto andar. Ela era o subtipo de mulher que os Homo sapiens sapiens do sexo masculino mais odeiam. Mulher-múmia. Abriu as pernas feito um compasso, foi logo puxando um cigarro da gaveta, ela parecia longe dela mesma enquanto ele metia. Se tivesse um pouco mais bêbado não ia saber se tava fodendo uma mulher ou uma boneca inflável. Geme, cadela. Pensou consigo mesmo que tinha muita mulher que não gemia pra não parecer puta. Estereótipo fudido. Não era o caso da drogada do quinhentos e três. Aquela era puta mesmo. Puta múmia ou múmia puta, não soube definir. Esporrou em cima dela e só percebeu que ela não tinha morrido porque saiu um suspiro disforme de lá. Pra onde cê vai? Compra cigarro. Riu. Anorética esquizofrênica do cacete. Tentou imaginar o oposto. Lembrou do filme pornô que assistiu em casa. A moça aguentava uma coca de litro com folga e ainda se dava ao trabalho de fingir um gemido. Não era nisso que tava pensando. Não precisava ser ambulância. Porra. O homem tem cinco sentidos. Só se esfrega a lâmpada pra ver o gênio. Dá um daquele ali. Não, do vermelho, senão ela chia. Voltou e a coisa ainda tava estendida na cama, mesma posição, o cigarro quase no filtro, a inconfundível cara de bunda. Aliás, aquilo era bom, pelo menos ela tinha uma bunda em algum lugar do corpo. Comprou? Tem cerveja aí? Ela podia gemer, a vaca esquelética. Ou falar uma sacanagem qualquer no ouvido. Passar a mão nas bolas. Arranhar as costas. Qualquer coisa, até queimar com o resto do cigarro. Menos aquela morgação de zero a zero em final de campeonato. Pensou que ia ter que imaginar a boca da Angelina Jolie
num boquete frenético pra ficar duro de novo. Ligou a tevê no canal pornô e procurou a moça com o litro de coca pra balancear o silêncio do quarto. Nem catuaba com amendoim ia fazer efeito ali.
29 de set. de 2009
21 de set. de 2009
A neblina nem tinha assentado ainda quando eu saí. As pupilas boiando na piscina dos olhos. O que fazer quando se esquece o caminho de volta? Quando a placa de vire à esquerda na verdade te presenteia uma curva fechada à direita? Você capota e come terra. O que fazer quando as pedras que rolaram do terremoto da véspera te soterram? Você vira bosta. Você está sozinho no meio da pista, zumbido filha da puta no ouvido, tua perna esquerna esmagada. Tudo que você consegue ouvir é uma voz fraca vindo do som do carro destruído no acostamento. Maria Rita canta que o amor só é bom quando é pra dois, eterno, antes e depois, competindo com o chiado das tuas vísceras fritando no asfalto quente. Meu samba vai curar teu abandono, ela diz. Não quer ver você tão triste. Vai curar a dor que existe. Teus intestinos respondem no chiado. Aí você lembra da dor. Manca mais uns duzentos metros no acostamento, deixando pra trás migalhas da tua alma. Você não chora. Você é forte. Levanta a face, enxerga o recortado das montanhas no horizonte. Parece uma mulher deitada. Rosa, ah menina Rosa, vem que eu quero ver você sambar. Me disseram que você samba demais, Rosa. Que mal há em sambar? Meu samba tem mistério, mas é gostoso de sambar. Então a vista escurece um pouco mais e você torna. Porra, o carro é um monte de ferro retorcido. Não, eu sou forte. Mas não tem como eu ter saído inteiro dessa merda. O samba meio que brotando da lata de sardinha que o carro virou. Você cansa, os músculos ardem. Teus pedaços estão espalhados no chão. Não há mais migalhas de tua alma pra te manter vivo. É aí que você chora. Sozinho, nu no escuro, sangra profusamente por buracos que você nao consegue enxergar. Tua cara no chão, coração batendo no ritmo do teu lado só pra te lembrar que você ainda tá vivo. Que aquela porra tá doendo de verdade, e que não vai passar tão cedo. É quando você fica puto. Levanta. É a tua voz te chamando. Você tá uma merda, sabia? Aí você pega o teu coração e põe numa porra de um saquinho pra vômito. As pessoas se assustam quando vêem aquele monte de entulho sendo conduzido por um cara magro, feio e coberto de sangue, carregando o coração num saco. Um posto. Pede um litro de cachaça. Três goles e metade da garrafa se foi. Lava a alma com o resto da cachaça ou a cachaça com o resto de alma? Não sei. Você ri. O sangue coagulado entremeado nos dentes. O dono da loja de conveniência ri. Que porra. Quer o quê mais filho? Manda esse coração pra dona dele. Não serve em mim. Bate forte demais. Você acorda. Porra de sono. O cheiro das paredes do hospital banhadas com desinfetante. Moço, moço, pra que lado é a ala de pediatria? Você estende o braço e abre a boca, mas não tem voz nos teus pulmões. Aliás, você não tem pulmões. Moço?! Teus pedaços ainda estão espalhados no chão... Ah, mal educado do caralho! Deixa a pessoa falando sozinha! ...Mas só você vê.
13 de set. de 2009
Tomando nota:
"O homem que nunca conheceu a dor não saberá reconhecer a felicidade."
"O homem que nunca conheceu a dor não saberá reconhecer a felicidade."
Algum daqueles filósofos das antigas.
11 de set. de 2009
O metal frio deslocou o ar antes de deslizar rápido em sua garganta e, logo, o único ruído audível era o gorgolejo do sangue fluindo quente pelo corte perfeito. E enquanto observava a criatura na agonia da morte iminente, ajoelhada com as duas mãos no pescoço, não conseguiu conter as lágrimas. Entretanto, seu semblante continuou sério e nenhum músculo sequer tremeu em sua face. Puxou um lenço do bolso esquerdo e enxugou a lâmina e os olhos.
-Morre, filho de uma puta. Padece sem emitir desculpas.
Sirenes. Surgiu um sorriso no canto da boca. Virou-se, encarou as luzes, deitou no chão e postou os braços às costas, como que a ofertá-los às algemas. E sem se mover, completou:
-Adeus, pai.
Então, as sirenes calaram. O vento calou. O próprio tempo parecia ter parado. Seguiu-se um grunhido alto e disforme. A última gota de sangue do desafortunado havia manchado o asfalto.
-Morre, filho de uma puta. Padece sem emitir desculpas.
Sirenes. Surgiu um sorriso no canto da boca. Virou-se, encarou as luzes, deitou no chão e postou os braços às costas, como que a ofertá-los às algemas. E sem se mover, completou:
-Adeus, pai.
Então, as sirenes calaram. O vento calou. O próprio tempo parecia ter parado. Seguiu-se um grunhido alto e disforme. A última gota de sangue do desafortunado havia manchado o asfalto.
9 de set. de 2009
-Tens fogo? Empresta um pouco. Acende este cachimbo, que eu quero queimar esses segundos amargos, encher um pouco com fumaça esta minha cabeça vazia. Tens tempo? Empresta um pouco. Compartilha esses segundos amargos comigo, enquanto a fumaça nos embriaga. Vem ser vazio comigo. Então serei apenas metade do vazio. A outra metade, fumaça. E talvez essa fumaça seja mais doce que o amargo desses segundos. E talvez eu seja menos vazio que essa conversa. Mas, incoerentemente, é o vazio da conversa que me completa. Então sigamos eu, você, a doce fumaça, o vazio e os segundos amargos.
-Que porra é essa que tu tá fumando?!
-Que porra é essa que tu tá fumando?!
8 de set. de 2009
Quê? Não começe. Eu sei, sei que fiz tudo errado. Sei que te maltratei. Te fiz minha demais. Tudo ao meu jeito. Quando e como quis. Agora é tarde, Inês é morta. Não vais me convencer com essa chantagem emocional. Passei três dias a imaginar-te em minha mente e, agora que a tenho aqui comigo, nada que disseres vai mudar o que eu fiz. Nem uma palavra que seja da tua boca tão perfeita vai mudar quem eu sou, e por conseguinte, quem és. E não me olhes assim, com esses olhos tão meus. Eu fi-los ontem ainda, por último, com tanto esmero, dedos trêmulos, óleo sobre tela. Tuas pupilas negras e profundas. Sinto muito. O escarlate de tuas lágrimas de sangue ainda não teve tempo de secar. Agora dorme. Pela manhã minhas mãos hão de curar teu sofrimento.