27 de fev. de 2009

Eu a chamava de viúva-negra. Não só pelo óbvio de sempre se alimentar de mim após a cópula. Deixava meu corpo inerte sobre a cama. Também porque ia e voltava. Sempre à noite. Me envolvia naquela teia interminável que era sua falta de palavras, de sentimentos. Como se estivesse sempre de luto. Na última vez que a vi não houve abraços, beijos ou outras carícias. Muito menos frases de despedida. Não gostava de formalidades. Vestiu a calcinha vermelha e o jeans surrado, pôs o sutiã e nem se deu ao trabalho de procurar a blusa entre tantas outras coisas que estavam no chão. Disse apenas "tchau". Com um tom de voz tal que aquela palavra não me deu pista adicional sobre o que sentia ou pensava. Se me amava ou trepava por esporte. Tampouco esperou que eu abrisse a porta. Rodou a chave enferrujada na fechadura e saiu. Com a mesma indiferença com que entrava sempre. Seus cabelos pretos mesclados com o escuro da noite. Acordei com batidas à porta. Dez da manhã. Pensei que pudesse ser ela e me assustei ao receber, só de cuecas, dois policiais. Encontraram-na morta. Em casa. Comprovadamente havia cometido suicído. No espelho rachado, que trouxeram em um daqueles saquinhos hermeticamente fechados, reconheci meu nome. Mais que isso: reconheci o mesmo tom de indiferença com que havia se despedido na noite anterior. O mesmo "tchau", gravado com batom.

O mesmo tom de vermelho. (No espelho e em mim).


"A viúva-negra (Latrodectus mactans) é uma espécie de aranha teridiídea, distribuída por toda a América, de coloração negra, com larga mancha vermelha no abdome..."

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