6 de dez. de 2010

Uma das coisas que Raquel mais queria era voar.
E, sinceramente, do alto dos quase dois anos em que a gente esteve junto, eu já não sabia o que fazer, ou dizer. Lembrava das vezes em que ela me acompanhava ao violão, aquele canto doce e afinado. Eu a via quase todos os dias, depois do trabalho. Chegava em casa e ela já estava lá, me esperando, saracoteando dentro de si. Aquilo era felicidade.
De uns tempos pra cá, Raquel não tem cantado mais. Ou o faz com uma tristeza no canto que é de lágrima. Também já não me segue no tocar. Canta apenas só, quase em desafio, quase um lamento. E seu banzo me dá arrepios, como se me mantivesse prisioneiro, como se fizesse de mim mesmo uma clausura. Como se fossem os restos de minha alma grilhões, acorrentando-a ao meu desespero.
Na última vez que cheguei em casa procurei não fitar seus olhos. Ela já não mostrava aquele rebuliço de outrora. Passei direto. Mas foi aí que Raquel me surpreendeu, como ela o fez, quando nos conhecemos. Cantou. Sua voz, aquele silvo perfeito, não destoou sequer uma nota. Peguei o violão e a melodia se propagou. Eu chorei. Ela chorou. Nunca antes meus ouvidos tinham degustado tamanho banquete. Nunca antes olhei Raquel com o respeito com que agora eu a via.
Era de manhã já.
Me aproximei, meio indeciso.
Ela se aproximou, assim, incrédula.
A chave torceu no lugar. E foi quando eu a tive livre que a tive mais perto.
Uma das coisas que Raquel mais queria era voar.
O que eu mais queria era poder voar com ela.

Um comentário:

E. disse...

bonito.. Raquel sabe das coisas.

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