23 de dez. de 2008

Lágrima, corre, por favor, nestes meus olhos secos de emoções, eu te peço, salga minha face trêmula, não consigo mais segurar-te; tantas e tantas vezes, recluso, prometi pra mim mesmo não desperdiçar-te à toa e te reti nas dobras de minhas pálpebras no intuito falso de fazer-me forte; tantas outras vezes, porém, vi minha fraqueza marcada no rosto inseguro e precisei da tua ajuda para quebrar a promessa; não tardes a vir... te juro que dessa vez choro-te de felicidade, mas podes ficar aí um pouco, a marejar os olhos calejados; desce devagar o canto, deixa-me aproveitar um pouco o pouco que resta do choro que me conforta...

... e obrigado, hoje te vejo partir com um sorriso.

14 de dez. de 2008

Hoje de manhã fui fazer a barba e me deparei com uma coisa no mínimo inusitada. Olhando no espelho, o frasco de romã agora era spray de amor. Sorte minha que eu não gastei o vidro todo de fitoterápico na amigdalite: só assim tenho um restinho de amor na embalagem, o bastante pra sobreviver incólume a essa semana.

Minha barba agradece.

12 de dez. de 2008

Aqui dentro, em mim, o ócio devora a preciosa transição que separa a noite da madrugada; lá fora, o mesmo ócio alia-se à escuridão, a devorar o fogo-fátuo dos postes de luz que tremem tristes no frio da rua, talvez tristes pelo ócio diário de esperar o dia nascer para poderem dormir, talvez frios por não poderem abraçar uns aos outros, separados pela distância fixa do cimento. Eu tenho o comodismo de escolher a hora em que a escuridão vem devorar meus olhos e encher meu corpo de sono, o vidro da janela e a luz das lâmpadas me asseguram isso enquanto deposito o restante dos meus pensamentos em blocos de notas. Feito isso, procrastinando noite (ou seria dia?) adentro, embalado pelas vozes de Omara e Bethânia misturando charutos Havana, coca, rum, gelo e limão com eme-pê-bê, samba, rumba e salsa, é que eu bebo o resto da água no copo, apago a luz e abro a janela, pedindo à brisa cheiro-de-mar para encher o mesmo copo de sonhos, pra que eu possa beber e finalmente dormir. Meus dias nunca têm vinte e quatro horas, isso seria muito normal pra mim. E ao som-de-fundo dos grilos e cigarras eu explodo a alegria, por vezes contida, com um assovio. Vou enterrar meus sonhos bem fundo dentro de mim, aguardar a hora em que terei que me mergulhar para buscá-los quando se realizarem (já fiz isso algumas vezes).

Dou boa noite às paredes e copos d'água, bons ouvintes nessas noites de ócio, companheiros inseparáveis nesses momentos em que se planeja a vida sem nada fazer.


(mas eu continuo sentindo pena dos postes de luz...)

29 de nov. de 2008

Há dias em que o melhor a se fazer é pôr um bom blues pra tocar no som estéreo com uma caixa defeituosa, deitar no chão frio com os braços cruzados atrás da cabeça e se lamentar ao som da música, observando as rachaduras no teto e o modo como voam os insetos, tentando filtrar no ar fragmentos das idéias que escapam da mente, tomar um gole grande de cachaça barata com limão, descendo quente na garganta, sonhar acordado, fisgando no fundo de si recortes de momentos alegres e sorrir com o canto da boca à lembrança deles.

É... Hoje é um desses dias.

23 de nov. de 2008

Fui ferido por arma branca, mas

O que jorra não é sangue, é saudade
Que corre nas veias
(E eu não consigo estancar)

22 de nov. de 2008

Rituais são estranhos.

E quando eu tiro a barba é só mais um ritual.
Sou eu ferindo a pele,
Dizendo ao corpo pra esquecer meus pêlos.

E gritando à alma pra esquecer teu toque...








...sem sucesso.
E eis
que
no meio
daquela
guerra
de beijos,
no confronto
inflamado
de carícias
e disputa
acirrada
de territórios
epidérmicos,
o soldado
levanta-se
em continência.

18 de out. de 2008

Seis da manhã.

Na praça, a calma de sempre. Velhos jogando dominó, pombos, crianças, bicicletas, carrinhos de pipoca, de cachorro quente. Ônibus e carros cruzando as ruas ao redor. Não fosse pelo casaco listrado em vermelho e branco, ninguém notaria o casal de namorados sentado no banco. Os corações em compasso. Mas havia algo entre eles talvez tão frio quanto a manhã daquela segunda-feira. Era saudade anunciada. Prenúncio da falta mútua. Buzinas, piados, gemidos, gritos, campainhas. Tantos sons... E o único que conseguiu atravessar o abismo e quebrar o silêncio pesado entre eles foi a voz feminina que disse "Eu te amo". O beijo quente, antítese do frio que fazia, foi um 'adeus' em código. Por último tocaram-se os dedos e os olhares, e ambos misturaram-se à paisagem apagada da cidade. Enquanto fazia o caminho inverso para casa, olhos rasos d'água, o corpo dele murmurou, lúgubre, a única resposta que poderia ter dado em lugar do beijo:

(Eu também, meu amor. Eu também.)