6 de nov. de 2014

Rogo-te uma praga:

Para cada vez
Que vislumbrares
Minha tez desnuda
Um dia de sobrevida
Te deixará

Cadavérica paras
Desl[:o]mbrada
A cor
Deixando
Tua nudez
Ante o tamanho
Do problema-solução

Soluçaste?
Tece tua teia
Viúva-negra
Atéia
Desespiritualizada
Xadeonda...
Sei bem o que queres

Segura, pois
Mete-o na boca
Esse pedaço de chocolate
Derrete este mulato
Em teus lábios de fel

Faze-te minha
E, antes que esqueças,
Deixa o pagamento:
Um dia de tua vida
Por vez
É tudo que quero
Por enquanto

E, com meu canto-feitiço,
Despeço-me de ti
Profetisa do caos
Sobre a ordem das coisas
Despedaçada

Junta os cacos da memória
Veste tua vergonha
Sai da cama, caminha para a luz
Y jamás olvides
Das palavras sussurradas
No ouvido
Que tu cegues
Se, na escuridão
Dos teus pensamentos
Vazios,
Lembrares de mim

Sou mulato
Da cor do pecado
Já te disse uma vez
(Lembras?)

Espero que não.

18 de out. de 2014

É no escuro
Que fala o tato

Há quem diga
Que, em terra de cegos,
Quem tem um olho é rei

Eu digo
Sem medo de errar
Que nasci com dez olhos extras
Cada um apontando para uma diferente direção

Daria meus dois olhos originais
Para usar meu tato em ti
Hoje,
Minha rainha,
Nesta maravilhosa madrugada de sábado

Para cantar no breu
As músicas que embalam
Meus mais quentes sonhos
Minhas mais calorosas vontades
Desenhar meu amor com a ponta dos dedos
Na tua pele e sentir teu arrepio

Se a beleza está nos olhos de quem vê, espiaria
Com os dedos, cada belo centímetro do teu corpo
E findaria eu mesmo a visão
Para gravar para sempre na memória
Deste incansável trovador
A poesia diária que é te ter como luz
Dos olhos meus.

---

"Tudo em vorta é só beleza
Sol de abril e a mata em frô
Mas assum preto, cego dos óio
Num vendo a luz, ai, canta de dor"

Luiz Gonzaga

5 de set. de 2014

  Que bom, Raquel,
 Voar contigo de novo
É o mundo fazendo
 Justiça ao assum preto
 É a vida sendo justa
  Devolvendo-me o assobio
                 o sorriso
                 que o tempo roubou
                 a vida devolve em canto
                  a luz dos olhos de alguém
                  viaja, certeira, tempo e espaço;
                  mesmo na mais infinita das escuridões,
                  brilha, farol perene
                  dando asas
                   ao praticante
                    no     in-
                    ter-    mi-
                    ná-     vel
                    cin-    za
                    da       so-
                    li-       dão.

8 de jul. de 2014

Venho divulgar o sítio no Facebook: Psicodelia Nordestina.

Vale a pena dar uma conferida nas obras primas e raridades que o pessoal compartilha.






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Grande abraço.

5 de mai. de 2014

Preocupa-lhes
O salário baixo
O emprego xulo
O status
Concerne-lhes
O primogênito afeminado
O preto pegador
O marginal
Encoleriza-os
A direção errada
O caminho torto
O processo
Atemoriza-os
O "se..." repetido
O "será?" retorquido
A dúvida

Quando irão aceitar?
Quando um ônibus os acertar no meio da pista enquanto calculam o preço da feira no mês que vem?
Quando o filho homossexual ganhar o dobro e aparecer em rede nacional revelando o preconceito?
Quando descobrirem que certo ou errado não existem e tampouco farão diferença no leito de morte?
Ou quando todas as respostas forem dadas e não houver mais o que aprender?

Abre o olho, praticante!
Águas de diferentes chuvas percorrem diferentes rios. Retos, contorcidos, caudalosos, serenos; mas sempre foram, são e serão água e seu destino sempre será mais. Mais água.


16 de abr. de 2014

Há luz,
Coroando o dia,
Servindo de inspiração para os pássaros,
E há escuridão,
Palco das estrelas;
Há dor,
Defesa natural, aprendizado,
E há júbilo,
Maquiagem gratuita na face;
Há certo,
Em que se apoiem os bons de espírito,
E há errado,
Em que pese a cabeça sobre o travesseiro à noite;
Há força,
Combustível da labuta,
E há fraqueza,
Queda de muitos;
Há vivos,
Que povoam as terras e mares,
E há mortos,
Que vivem no pensamento;
Existe o ontem,
Grilhão do homem,
Existe o hoje,
Mutante indomável,
E o amanhã,
Promessa eterna;
Há mentira,
Na saia das mulheres,
E no sorriso falso dos impuros,
Nos genitais dos homens,
E na parede da escola,
No olho do idoso,
E nos dentes do infante,
No grito do desesperado,
E no suspiro do absolvido,
Na reza do padre,
E na bomba do mártir;
Há ódio,
Serpente constrictora,
E há o amor,
Tijolo da construção;
E há a verdade,
Peça inextirpável.
Há verdade na luz e na sombra
Há verdade no rio e no mar
No hoje
No amanhã
No que existe
E no porvir
Na saia
No sorriso
Na ruga
Há verdade na dor
No júbilo
No grito
No silêncio
Há verdade no tímido
E no extrovertido
Há verdade no herói
E no bandido
No ódio
No amor
Há verdade na promessa
Há verdade nos grilhões
A verdade existe em tudo que existe
Em toda parte há
Há verdade na própria verdade
E na mentira
Arde e consome como fogo, a verdade
Dói e martiriza, a verdade
Ensina e engana, a verdade
Cala e atiça, a verdade
Há verdades que salvam
E verdades que matam
É indiscutível
Inigualável, a verdade
Não se esconde, a verdade

Nós, humanos, no topo da escala evolutiva
É que aprendemos a ignorá-la, em tudo que existe
A escondê-la
A se envergonhar, da verdade
Ensinaram-nos a escanteá-la
A odiar, a verdade
Quando, em verdade,
Ela está ali
Na fome dos indigentes,
Na tristeza dos mal-amados,
Na dor dos suicidas,
Na esquina da tua casa,
No canto do teu quarto,
Na televisão, no rádio, na internet
Nas esquálidas crianças africanas,
Nos túmulos dos conflitos armados,
Na intolerância religiosa,
No corpo,
Na alma,
Na dor e no júbilo,
No sorriso e nas rugas,
Na miséria,
No dinheiro e na falta dele.
A verdade se perde,
Como rito de passagem,
Quando deixamos de ser crianças,
Quando atravessamos, aos tropeços,
O véu da humanidade,
Quando deixamos de acreditar,
Quando nos conformamos,
Quando o "bom dia" não quer dizer bom dia,
E, sobretudo,
Quando a verdade deixa de ser verdade,
Quando a névoa se estende sobre os olhos dos homens,
E se deixam enganar pelos sentidos.

A verdade não é dita.
O código linguístico não é capaz de defini-la.
A verdade só pode ser sentida,
Por aqueles que decidiram não ignorá-la,
Por aqueles que decidiram não evoluir,
Por aqueles que decidiram permanecer macacos,
E não vendar os olhos,
E não tapar os ouvidos,
E não calar a boca,
E não anestesiar a pele,
Nem o coração,
Nem o corpo, nem o espírito.
Não é passível de interpretação, a verdade
Existe apenas, bruta e intocada,
No momento da criação,
Na concepção,
No início,
E, inexoravelmente,
No fim.
Carta a um grande amor II:

Preciso te dizer uma coisa. Pediste que explicasse as minhas lágrimas.

Acho que me encontro neste estado por tua causa. Não por tua culpa, eu tomo minhas próprias decisões. Culpa daquele beijo na praia. Eu já disse que outras me seduziram. Já disse que me apaixonei por outras. Mas nenhuma delas teve a disposição, ou digamos assim, coragem de me libertar. Desde então eu estabeleci um objetivo, uma direção: ser feliz contigo, ou pelo menos tentar. Eu sei que tropecei algumas vezes pelo caminho, me desculpe por isso, mas o objetivo continuou claro pra mim. Ninguém nunca me entendeu, ou pelo menos fingiu que entende, da maneira que tu fazes. Eu sinto que tu conheces meu corpo e, principalmente, minha mente, como a palma da tua mão. Sinto que, por mais que tente, não consigo esconder minhas angústias e preocupações de ti. És como uma esponja e parece que, toda vez que estamos juntos, toda minha tristeza e apreensão desaparecem, como se sugadas por alguma força sobrenatural. E isso não é dizer pouco; afinal de contas, eu sou um cético chato (ou um chato cético), sabes bem disso. Daí o objetivo ser tão claro pra mim como é tua pele. O problema é que parece que quanto mais eu me esforço pra cumprir essa meta, mais ela parece distante e inatingível. Eu sinto, às vezes, quase conseguir tocar esse momento; é sublime a felicidade; tem gosto de doce dividido, tem o gosto do teu beijo, tem teu gosto; mais que tudo, tem o gosto daquele beijo na praia, quando tudo começou. O triste de tudo é que não me sinto livre, ainda. Como eu disse, cada vez que eu tento ter esse momento pra mim, cada vez que eu tento me abraçar a ele com todas as forças que tenho, cada vez que mergulho fundo e de cabeça nessas águas, elas ficam turvas; é como nadar contra a corrente. És meu rio. És minha vida; penso, porém, que cada vez que tenho de pular fora d'água pra poder ver o meu caminho e vencer a turbulência, eu te perco um pouco. Eu sei, meu amor, que águas passadas não movem moinhos. Sei também que sou outro a cada salto e são novas as águas a cada mergulho. É aí que me pergunto: quando chegarei à cabeceira? Quando é que depositarei meu amor e darei concluída esta tarefa, este objetivo?

Só peixes mortos nadam com a corrente, disse alguma vez algum pensador em algum canto esquecido deste mundo tão grande. Eu não penso assim. Penso que, findo meu caminho, poderei relaxar e nunca mais terei de pular fora de ti pra ver onde vou. Confiarei minha vida às tuas águas; só então, o meu objetivo, a minha direção, o meu destino será o mesmo do teu: ganharemos juntos a imensidão do mar, meu amor, mesmo sendo eu outro peixe e tu, outro rio.

Espero a próxima tempestade, para que a chuva traga mais de ti para mim.

31 de mar. de 2014

Na mesa-de-cabeceira
Do lado esquerdo da cama
Escrito com uma letra garranchuda
A lápis de cor verde
Semi-interrompido na porção do meio
Porque a ponta do lápis se foi
Trocado para grafite
E depois para caneta
(Indecisos...)
Estava um bilhete
Totalmente amassado, com algumas versões
Alternativas
Povoando as colunas laterais
Como a entender que houve dúvida
Vacilação
Titubeio
Quanto à decisão final
O apartamento estava incólume
Qualquer transeunte que cogitasse
Entrar e bater um papo com os fantasmas
Veria que nem um fio de cabelo
Nem um fragmento de unha
Recém-cortada
Estava fora do lugar
Até os potes de iogurte
Acumulados na beira da pia
Para o despejo reciclável
Até a bucha velha e desgastada
Aparando pingos da torneira
Com defeito
Até a porta da varanda
Com a fechadura quebrada
E batendo ao vento
Até uma ou outra cueca
Faceira
Por cima do sofá
Ou pendurada há seculos
Detrás da porta do banheiro
Até a caixa de sucrilhos
Pendurada com ímã
Souvenir de turismo
Na porta da geladeira
Para guardar contas
Até a tomada da televisão
Tirada da parede
(Economistas...)
Até os sacos de roupa suja
Na terceira gaveta
Da cômoda gasta e torta
Até os potes de fumo
E os isqueiros sem fluido
Pra acender o fogão elétrico
Quebrado
Até as cartas de amor
E rascunhos diversos
Num recesso escuro
Do armário de madeira
Compensada
Até Jimi Hendrix
Tocando no laptop
Da mesa repleta de cinzas
De cigarro
Até as aranhas nos cantos
De parede
E o chuveiro elétrico
Sem água quente
Por falta de resistência
Até a bela vista da varanda
Dando parte pro rio
E parte pro mar
Até os calçados
Enfileirados ao lado do leito
E o rangido da cama
Velha
E repleta de histórias
Até as paredes
Que todos dizem ter ouvidos
E seus ouvidos
Repletos de histórias
(Escritores...)

A única coisa diferente
Extraordinária
Não usual
Era o bilhete
Na mesa-de-cabeceira

Dizia assim:
A mesa-de-cabeceira
Tem teu cheiro
Como o tem a cama
E o sofá
E minhas cuecas
Os potes de iogurte
Têm teu gosto
Assim como
Minha escova
As paredes cansaram
De ouvir-te reclamar
Da bucha
Da pia
Do fogão
E da porta da varanda
Meu quarto-sala
E meu banheiro
Têm teu riso
Tua gostosa gargalhada
Meu espelho, tua imagem
Tua silhueta
Teu nu
Escondidos na memória
Até as aranhas
No canto das paredes
Têm saudades tuas
(Românticos...)

Mas eu, amor
Não te tenho
Não te posso sentir
Olhar-te dormir
Em uma tarde quente
Ou te debruçar
Na varanda de porta quebrada
Só de calcinha
Conjeturando o mundo
Eu, coração
Não tenho tua pele
Nem pelo menos
Teu riso
Então
Dize-me
Império dos sentidos
Como faço eu
Para viver
Com tanta lembrança
Tanta história?
E o toque?
E o gosto?
E o cheiro da pele suada?
E o riso, a gargalhada?
E o olho? E o olhar?
E as batidas rápidas
Do coração?

Parto hoje, pois
Só a liberdade
Só o vento
Só o ar e o mar
Hão de suprir
A falta que fazes
E as saudades tuas

Tem arroz no forno
E suco na geladeira
Põe o calço na porta da varanda

Te amo,
Adeus.

(Realistas...)

21 de mar. de 2014

E assim se conta a história
De rios de ruidosas correntes
Laços de sangue e memória

Cheios de si, cheios de ouro
Esvaem-se, em dor, os praticantes
Da geografia, da solidão

Pão-que-o-diabo-amassou...
Uns o dizem

Castigo memorável!
Outros ribombam

Entre champanhe e cana dividido
Curandeiro e monstro, o venerado
Passa os dias como ermitão, esquecido
Pois quase nunca é tolerado

Se verdade nua e crua é rebatida
Pela delícia da mentira, a acarinhar
Em verdade mais verdadeira digo:

Delicia-te na mentira hoje, vem gozar
Pois o amanhã, o desconhecido, vem reinar

Se és de rugas preenchido, a pensar
Preocupa-te com o vestido, qual usar?
O passado é teu amigo, deixa estar

Mas se é na pele, por sorrir,
Que ostentas a marca, vai mostrar
De história és rico e cheio, bom lembrar
Deita a cabeça, à noite, e vai sonhar

Bons sonhos.