28 de fev. de 2009

"Hay que endurecer, pero sin perder la ternura jamás".
Ernesto Guevara de la Serna.
Morto aos trinta e nove anos.
Médico, andarilho e revolucionário.


"Tem que enternecer, mas sem perder a dureza jamais".
Seu Manoel.
Sessenta e dois anos.
Casado com Dona Vitória há trinta e sete.
Taxista aposentado e consumidor inveterado de Viagra.

27 de fev. de 2009

Amor,

Eu só preciso me acostumar
Com o teu querer,
Poder,
Estar,
Vir,
Ser.

Foste (fui...)
És (sou?)
Serás (serei!)

-Será?

Enfim,
Como eu dizia:
Eu só preciso reaprender.
(A conjugar os verbos)
Eu a chamava de viúva-negra. Não só pelo óbvio de sempre se alimentar de mim após a cópula. Deixava meu corpo inerte sobre a cama. Também porque ia e voltava. Sempre à noite. Me envolvia naquela teia interminável que era sua falta de palavras, de sentimentos. Como se estivesse sempre de luto. Na última vez que a vi não houve abraços, beijos ou outras carícias. Muito menos frases de despedida. Não gostava de formalidades. Vestiu a calcinha vermelha e o jeans surrado, pôs o sutiã e nem se deu ao trabalho de procurar a blusa entre tantas outras coisas que estavam no chão. Disse apenas "tchau". Com um tom de voz tal que aquela palavra não me deu pista adicional sobre o que sentia ou pensava. Se me amava ou trepava por esporte. Tampouco esperou que eu abrisse a porta. Rodou a chave enferrujada na fechadura e saiu. Com a mesma indiferença com que entrava sempre. Seus cabelos pretos mesclados com o escuro da noite. Acordei com batidas à porta. Dez da manhã. Pensei que pudesse ser ela e me assustei ao receber, só de cuecas, dois policiais. Encontraram-na morta. Em casa. Comprovadamente havia cometido suicído. No espelho rachado, que trouxeram em um daqueles saquinhos hermeticamente fechados, reconheci meu nome. Mais que isso: reconheci o mesmo tom de indiferença com que havia se despedido na noite anterior. O mesmo "tchau", gravado com batom.

O mesmo tom de vermelho. (No espelho e em mim).


"A viúva-negra (Latrodectus mactans) é uma espécie de aranha teridiídea, distribuída por toda a América, de coloração negra, com larga mancha vermelha no abdome..."

25 de fev. de 2009

Me recebeu em sua casa, o relógio marcava três e meia da tarde, chovia pesado lá fora.
Toquei a campainha e seguiu-se uma sequência de aberturas.

Abriu a porta.
Abriu um sorriso.
Abriu os braços.
Abriu a geladeira.
Abriu a garrafa de vodca.
Abriu o zíper da minha calça.
Abriu a boca.
Abriu minha carteira.
Abriu a embalagem da camisinha.
Abriu as pernas.

E quando eu pensei que não havia mais o que abrir, deu-me um beijo e abriu seu coração.
Abriu meu peito com aquelas palavras... (E então)

Fechei meus olhos.
Fechei meus lábios sobre os seus.
Fechei meus braços ao seu redor.
Fechei minha mente.

E desejei que aquele momento não terminasse.

24 de fev. de 2009

Eu procurei estrelas no céu hoje à noite. Tinha certeza que, se encontrasse uma, estarias olhando o mesmo céu, a mesma estrela, e eu veria teus olhos refletidos nela. Mas hoje o dia está nublado, meu amor. Não consigo ver estrelas no céu. Nem teus olhos.

Quem sabe amanhã...

19 de fev. de 2009

Chegou no prédio onde morava, estava a mulher a arremessar todos seus pertences pela janela. Com sorte, suas revistas de mulher pelada e sua coleção inteira de filmes pornôs estavam caindo no macio do jardim, no térreo. Sua televisão de quarenta e duas polegadas e diversas garrafas de uísque doze anos não tiveram a mesma sorte.

- Janaína, mas que porra é essa mulher?!
- Seu canalha idiota, a puta da tua mãe só te ensinou sacanagem mesmo, não é? Da próxima vez que você for botar no cu daquela vadia, ao menos não vai beber com ela os uísques que eu ajudei a pagar!!
- Meu amor, pare com isso... Eu não tive nada com a Socorr [e nessa hora mordeu a língua, percebendo a grande merda que tinha feito].
- Ah, então o nome dela é Socorro! Diga, Socorro de quê, que eu vou agora mesmo encher a boceta daquela quenga com sabão Omo. Ao menos uma vez na vida essas tais "microesferas de limpeza" vão servir pra alguma coisa.
- Janaína!

Pela pirueta que o computador e o home-theater deram antes de se espatifarem no chão, e pela cara de indiferença da mulher, ele percebeu que teria de subir para falar-lhe pessoalmente.

- Amor, vamos deixar de bobagem, você sabe que eu te amo. A Socorro é apenas uma colega de trabalho.
- Isso é o que você sempre diz. Só se você trabalhar num bordel pra ter tanta rapariga como colega de trabalho. Vá pra puta que te pariu, seu [seus gritos foram abafados quando ele avançou sobre ela, beijou-lhe a boca, contendo-a com um abraço forte].
- Janaína, você sabe que ela não significa nada pra mim, eu te juro que se aconteceu alguma coisa entre a gente eu quero que chova canivete na minha cabeça.

Ela parou e analisou a situação em pensamento. "Apesar de tudo, é sempre pra mim que esse canalha volta. Tanta bunda por aí, e é a minha que ele quer pra ser dele." E, a despeito do absurdo de sua análise, ela o abraçou, o olho pecorrendo a casa: móveis, pratos, eletrodomésticos (e toda e qualquer coisa que os olhos pudessem enxergar) estavam destroçados. "Pelo menos esse filho da puta vai gastar mais uma nota comigo", e beijou-o na boca, arrastando o homem incrédulo pelo cinto, para a cama de casal semi-destruída. No outro dia, sem se lembrar de outra noite em que tivessem esfolado de tal maneira o seu pênis de tanto sexo, saiu pro trabalho, a pé, já que Janaína tinha também destruído a chave, pára-brisa e janelas do automóvel.

E quando virou a primeira esquina em direção à parada de ônibus, pôs a pasta sobre a cabeça para livrar ao menos os olhos dos canivetes.

18 de fev. de 2009

Eu gosto quando tô contigo, fazendo um carinho qualquer e vejo teu sorriso de satisfação. Estranho que, quando se está sozinho incorpora-se um ceticismo imenso, nunca acreditei que as pessoas são feitas uma para a outra, nunca acreditei nessa conversa de alma-gêmea e tudo o mais. O desconcertante nisso tudo é que, quando eu tô ali, sentado no sofá, as mãos nos teus cabelos, é exatamente nisso que acredito, ou que quero acreditar, não sei ao certo. Eu viajo, penso na minha vida, no antes, no depois, mas principalmente no agora. Eu gosto de olhar nesses teus olhos escuros, dessa tua pele branca, desse teu corpo de menina-moça na flor da idade, desse teu sorriso, desse teu jeito manso de falar de vez em quando (que me cativa), do teu abraço (e teu beijo), do jeito que me entendes e me desculpas quando entendo que errei, do modo como me elogias (mesmo sabendo que muitas vezes não sou tudo aquilo que dizes), de me imaginar no futuro (ao teu lado), dos teus cabelos, de te dar carinho, das tuas mãos, da tua bunda (é, da tua bunda), dos momentos alegres, do jeito que me incentivas a buscar o que é melhor pra mim, de quando me acalentas (me fazendo esquecer os problemas), de quando me olhas com ternura (depois de eu te ter olhado nos olhos escuros) e devolves o carinho, dizendo que me ama.
E talvez por saber que eu penso tanto nas coisas, é que, sem perder tanto tempo tentando explicá-las, eu olho nesses teu olhos escuros e te faço um carinho, beijo teus lábios e te digo "Eu também".
O sol já castigava suas costas fazia bastante tempo quando passou aquele homem em trajes elegantes. Seguiu-o por um instante, como que esperando alguma atenção; entretanto, não foi o que aconteceu. Como andava em sua sombra a fim de conseguir algum trocado, estranhou quando as moedas rolaram em sua direção, achou que o moço fino as havia deixado, o que provou-se inverídico, já que ele continuava a caminhar como se nada houvesse acontecido.

-Moço, as moedas.

Ele não ofereceu nem um segundo de sua atenção. Resolveu tentar mais uma vez, embora tentação mesmo fosse agarrar aquelas moedas sem dono, rolando na calçada. "Moço, as moedas aqui, olha!", e puxou a barra de uma das pernas da calça de linho, tão bem cuidada que a mão suja ficou marcada na roupa.

-Não tenho trocados, sai daqui!

Desistiu, então. Mas não guardou rancor do homem. Quando virou, era a felicidade que adornava o rosto raquítico com um sorriso. Segurou com força aqueles círculos de metal brilhante na mão.

Hoje não passaria fome.

14 de fev. de 2009

E como se ela fosse correr dali como quem corre da morte, no mesmo instante colou seus lábios nos dela, e desfez o beijo na boca carnuda em tantos outros no pescoço branco e esguio, enquanto acarinhava os cabelos pretos. No caminho topou com a nuca e aninhou seus beiços ali. Suas mãos agarravam as nádegas dela com ferocidade, puxando-a contra seu pênis, que se avolumava nas calças. As mãos, que antes o empurravam em franca negação, hesitavam no ar, os dedos abertos em leque. Ela sentia seu sexo, agora rijo a latejar contra as coxas e sua língua serelepe na orelha, uma das suas mãos agora segurando a cabeça com firmeza enquanto a outra ia descendo pelas costas, contornando o corpo, no ventre, e então sentiu seus dedos grandes friccionando a boceta. Os dedos dela curvaram nas suas costas, fazendo as unhas rasgarem a pele, quando um dos dedos dele começou a brincar com o clitóris. A pele era só arrepio e as mãos puxavam-no com força, quase fazendo os corpos ocuparem o mesmo espaço. Abriu com uma das mãos a porta do almoxarifado e puxou a cadeira de rodas que estava estacionada na frente, já não queria saber se iria ser pega ou demitida. Ele puxou a calça que marcava muito a bunda dela, jogou a calcinha em uma das prateleiras. Sua língua explorava cada milímetro da vulva, ela já não tinha vontade própria, de pé, braços apoiados na porta, os mamilos pulsando, róseos, todo o corpo pedia sexo. Empurrou o rapaz na cadeira de rodas, voltou a trancar a porta e tirou a blusa amarela que vestia o mais rápido que pôde. Não usava sutiã e agora podia-se ver os seios fartos, os bicos duros, a cara de cadela no cio. Abriu o zíper do seu jeans e empunhou seu cacete, lambendo as bolas enquanto o masturbava. Montou na cadeira de rodas, ainda segurando seu órgão pulsante com uma das mãos, posicionando-o na entrada da vagina. E então esqueceu quem era. Todo seu pensamento concentrou-se na sensação de prazer que emanava do genital em brasa, o membro entumecido mergulhando fundo nela. As únicas partes do corpo que controlava eram os quadris e as pernas, que se mexiam apenas no intuito de perpetuar o gozo. As mãos crisparam-se em torno do metal gelado da cadeira, e então ouviu os próprios gemidos, e sentiu o corpo adormecido tremer inteiro, os dedos dos pés dobrando, o suor viscoso escorrendo na pele, ouvia a própria voz, mas não era ela falando "mete, filho da puta!". Aí, quando pensou que os sons dos gritos e gemidos poderiam arremessar longe a porta do almoxarifado, quebrando chaves e cadeados, ela acordou. Estava exausta e visivelmente suada, mas as únicas coisas de que tinha consciência eram os gemidos distantes ecoando na cabeça e uma sensação estranha entre as pernas. Achou tudo muito esquisito, mas lembrou-se que tinha o que fazer. Ajeitou o sutiã que estava incomodando, tirou a saia que arrastava por debaixo dos chinelos, fechou a porta do almoxarifado e começou a levar as cadeiras de rodas pro andar de cima.

9 de fev. de 2009

Pessoas são como frutos:

Uns afoitos demais,
Caem verdes
Azedos ao paladar

Outros são tão doces
Que se melhoram,
Apodrecem no pé

E há aqueles que são indiscutivelmente podres.
Hoje
De noite
Abri
A janela
Do quarto,
Que dá
Pro mar;
Pulei
De olhos
Fechados
E voei
Sobre ondas,
Barcos,
Casas, luzes;
Fiz meia-volta,
Planei baixo
Sobre
A estrada
Seguindo
Os carros
Cujos donos
Não
Me viam;
Aterrisei
Meio sem-jeito
Ao teu
Lado;
Estavas dormindo;
Dei-te
Boa-noite,
Um beijo
No rosto
E saltei
Do telhado
Com um
Sorriso;
Voei
De volta
Para mim,
Com
A brisa
Que vai
Pro mar,
E entrei
Pela janela
Aberta
(Eu
Ainda dormia);
Quando
Vi você
Sair, então,
Pela mesma
Janela;
No rosto
Meu,
Um beijo,
No teu,
Um sorriso;
E voaste,
Olhos fechados,
De volta
Para ti
(Da janela
Dos olhos
Meus).

8 de fev. de 2009

Tomando nota:

"One more kiss tonight
From some tall stable girl
She's like grace from the earth
When you're all tuckered out and tame"

Iron & Wine | Calexico
'01 - He Lays In The Reins'
In The Reins EP (2005)
O futuro é incerto
Entretanto, mais que viver com medo da morte
A gente morre de medo da vida

E é isso que nos mantém vivos.

7 de fev. de 2009

Hoje meu dia morreu em tons de cinza,
Mas não me alegro com cores vivas:
A única que me faz falta é a cor branca.

(e salve o blues).
Tomando nota:

Pra quem sabe o que é saudade.

Luiz Gonzaga - Assum Preto/Ana Rosa

Letras: Assum Preto; Ana Rosa.
Não me perguntes o caminho, ele está aí, tão estendido à tua frente como se estendeu à minha; podes dispor da minha ajuda, segurar minha mão ao pular um obstáculo; mas não podes contorná-lo com meus pés, ainda que eu percorra o mesmo caminho infinitamente até que aprendas a trilhá-lo com os teus.

Não importa se os teus vêm ou os meus vão (quero teus pés junto aos meus).

6 de fev. de 2009

Estou preso. Em meio a tantas coisas que não posso identificar e que me asfixiam. Faço força e busco meu facão, acabo me desvencilhando. Caminho sem direção por caminhos que nunca vi, nas paredes não há retratos, não há nomes, não há. Vez por outra preciso usar a lâmina de novo pra cruzar lugares interrompidos. E eis que vejo luz, e as paredes agora destoam das cores a que me acostumei. Me aproximo, duas janelas grandes e redondas, mas trancadas. Meus olhos. E é através deles que eu vejo: ainda estou preso (dentro de mim).

1 de fev. de 2009

Tomando nota:

www.flickr.com/photos/derbyblue

(Putaqueopariu!)