16 de abr. de 2014

Há luz,
Coroando o dia,
Servindo de inspiração para os pássaros,
E há escuridão,
Palco das estrelas;
Há dor,
Defesa natural, aprendizado,
E há júbilo,
Maquiagem gratuita na face;
Há certo,
Em que se apoiem os bons de espírito,
E há errado,
Em que pese a cabeça sobre o travesseiro à noite;
Há força,
Combustível da labuta,
E há fraqueza,
Queda de muitos;
Há vivos,
Que povoam as terras e mares,
E há mortos,
Que vivem no pensamento;
Existe o ontem,
Grilhão do homem,
Existe o hoje,
Mutante indomável,
E o amanhã,
Promessa eterna;
Há mentira,
Na saia das mulheres,
E no sorriso falso dos impuros,
Nos genitais dos homens,
E na parede da escola,
No olho do idoso,
E nos dentes do infante,
No grito do desesperado,
E no suspiro do absolvido,
Na reza do padre,
E na bomba do mártir;
Há ódio,
Serpente constrictora,
E há o amor,
Tijolo da construção;
E há a verdade,
Peça inextirpável.
Há verdade na luz e na sombra
Há verdade no rio e no mar
No hoje
No amanhã
No que existe
E no porvir
Na saia
No sorriso
Na ruga
Há verdade na dor
No júbilo
No grito
No silêncio
Há verdade no tímido
E no extrovertido
Há verdade no herói
E no bandido
No ódio
No amor
Há verdade na promessa
Há verdade nos grilhões
A verdade existe em tudo que existe
Em toda parte há
Há verdade na própria verdade
E na mentira
Arde e consome como fogo, a verdade
Dói e martiriza, a verdade
Ensina e engana, a verdade
Cala e atiça, a verdade
Há verdades que salvam
E verdades que matam
É indiscutível
Inigualável, a verdade
Não se esconde, a verdade

Nós, humanos, no topo da escala evolutiva
É que aprendemos a ignorá-la, em tudo que existe
A escondê-la
A se envergonhar, da verdade
Ensinaram-nos a escanteá-la
A odiar, a verdade
Quando, em verdade,
Ela está ali
Na fome dos indigentes,
Na tristeza dos mal-amados,
Na dor dos suicidas,
Na esquina da tua casa,
No canto do teu quarto,
Na televisão, no rádio, na internet
Nas esquálidas crianças africanas,
Nos túmulos dos conflitos armados,
Na intolerância religiosa,
No corpo,
Na alma,
Na dor e no júbilo,
No sorriso e nas rugas,
Na miséria,
No dinheiro e na falta dele.
A verdade se perde,
Como rito de passagem,
Quando deixamos de ser crianças,
Quando atravessamos, aos tropeços,
O véu da humanidade,
Quando deixamos de acreditar,
Quando nos conformamos,
Quando o "bom dia" não quer dizer bom dia,
E, sobretudo,
Quando a verdade deixa de ser verdade,
Quando a névoa se estende sobre os olhos dos homens,
E se deixam enganar pelos sentidos.

A verdade não é dita.
O código linguístico não é capaz de defini-la.
A verdade só pode ser sentida,
Por aqueles que decidiram não ignorá-la,
Por aqueles que decidiram não evoluir,
Por aqueles que decidiram permanecer macacos,
E não vendar os olhos,
E não tapar os ouvidos,
E não calar a boca,
E não anestesiar a pele,
Nem o coração,
Nem o corpo, nem o espírito.
Não é passível de interpretação, a verdade
Existe apenas, bruta e intocada,
No momento da criação,
Na concepção,
No início,
E, inexoravelmente,
No fim.
Carta a um grande amor II:

Preciso te dizer uma coisa. Pediste que explicasse as minhas lágrimas.

Acho que me encontro neste estado por tua causa. Não por tua culpa, eu tomo minhas próprias decisões. Culpa daquele beijo na praia. Eu já disse que outras me seduziram. Já disse que me apaixonei por outras. Mas nenhuma delas teve a disposição, ou digamos assim, coragem de me libertar. Desde então eu estabeleci um objetivo, uma direção: ser feliz contigo, ou pelo menos tentar. Eu sei que tropecei algumas vezes pelo caminho, me desculpe por isso, mas o objetivo continuou claro pra mim. Ninguém nunca me entendeu, ou pelo menos fingiu que entende, da maneira que tu fazes. Eu sinto que tu conheces meu corpo e, principalmente, minha mente, como a palma da tua mão. Sinto que, por mais que tente, não consigo esconder minhas angústias e preocupações de ti. És como uma esponja e parece que, toda vez que estamos juntos, toda minha tristeza e apreensão desaparecem, como se sugadas por alguma força sobrenatural. E isso não é dizer pouco; afinal de contas, eu sou um cético chato (ou um chato cético), sabes bem disso. Daí o objetivo ser tão claro pra mim como é tua pele. O problema é que parece que quanto mais eu me esforço pra cumprir essa meta, mais ela parece distante e inatingível. Eu sinto, às vezes, quase conseguir tocar esse momento; é sublime a felicidade; tem gosto de doce dividido, tem o gosto do teu beijo, tem teu gosto; mais que tudo, tem o gosto daquele beijo na praia, quando tudo começou. O triste de tudo é que não me sinto livre, ainda. Como eu disse, cada vez que eu tento ter esse momento pra mim, cada vez que eu tento me abraçar a ele com todas as forças que tenho, cada vez que mergulho fundo e de cabeça nessas águas, elas ficam turvas; é como nadar contra a corrente. És meu rio. És minha vida; penso, porém, que cada vez que tenho de pular fora d'água pra poder ver o meu caminho e vencer a turbulência, eu te perco um pouco. Eu sei, meu amor, que águas passadas não movem moinhos. Sei também que sou outro a cada salto e são novas as águas a cada mergulho. É aí que me pergunto: quando chegarei à cabeceira? Quando é que depositarei meu amor e darei concluída esta tarefa, este objetivo?

Só peixes mortos nadam com a corrente, disse alguma vez algum pensador em algum canto esquecido deste mundo tão grande. Eu não penso assim. Penso que, findo meu caminho, poderei relaxar e nunca mais terei de pular fora de ti pra ver onde vou. Confiarei minha vida às tuas águas; só então, o meu objetivo, a minha direção, o meu destino será o mesmo do teu: ganharemos juntos a imensidão do mar, meu amor, mesmo sendo eu outro peixe e tu, outro rio.

Espero a próxima tempestade, para que a chuva traga mais de ti para mim.