Guardo ainda na face a marca em alto relevo das unhas de Ivete, daquele dia em que a humilhei e, depois, com desprezo, dei-lhe meu dinheiro suado de estivador no cais. Lembro-me como se fosse ontem, a cólera a colorir sua face de vermelho-tomate, a mesma cor do esmalte barato que descascava nos fâneros em seus dedos calejados de tanta punheta. Sabe-se lá quantos outros estivadores como eu desbravaram o refúgio nas entrecoxas quentes da nêga Ivete. "Era mulher de muitos" como ela mesma me dizia. Negou minha proposta de amancebar-se comigo no casebrezinho de madeira à beira-mar. Cozinharia pra mim, daria-me filhos fortes, deixaria o bordel. Mesmo depois de jurar meu afeto por ela, negou-se a vir comigo. Ofendi-a, então, não sei por que motivo, Ivete nunca me tratara mal, pelo contrário. Gritar "puta" não era ofensa no caso dela. Envergonho-me até hoje do que disse aquela noite, estimava muito aquela mulher: corpulenta, pernas torneadas, muitos anos de bordel e ainda conservava o charme que deixava homens de quatro por ela, ainda que os anos não tivessem sido generosos com seu rosto. E mais, dizia-me sempre a verdade, remediava meus problemas, nem sempre com sexo, se bem que pode-se dizer que este último quesito era sua especialidade. O pesar que sinto hoje por tê-la perdido é ainda maior que a dor excruciante que senti na hora. O sangue quente da minha cara coloriu de novo as unhas gastas e manchou o vestido de chita surrado. Jogou sobre mim o dinhero que dei, e ficou ali, na soleira a apontar, com os dedos ainda sujos de porra, a saída.
Nunca mais vi Ivete. Minha vida nunca mais foi a mesma.
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