31 de jan. de 2009

O trem tinha acabado de chegar na estação, a cortina de vapor a segui-lo. Um rapaz esperava a chegada, braço cingindo a cintura da garota, cabelos pretos e soltos pouco abaixo dos ombros. O trem estacionou com estridor, as pessoas começaram a (des)embarcar. O rapaz envolveu as mãos da moça entre as suas, deu-lhe um beijo na face e subiu. O trem ia longe quando ela abriu as mãos, um bilhete branco escrito a tinta preta, letra feia, porém firme:

"Talvez eu nunca seja bonito o bastante, nem tão cavalheiro.
Talvez eu nunca tenha dinheiro pra comprar-te o bastante.
Não seja alto o bastante, forte o suficiente.
Não seja esperto,
Elegante
Ou tão bem relacionado.
Talvez eu te faça sofrer de vez em quando, chorar...
Pode ser que eu esteja ausente algumas vezes (não por querer).
Mas de uma coisa tenho certeza: sempre há espaço em mim para um pouco mais de ti.
E o que sinto também nunca será o bastante, ou suficiente.
Portanto não chores, nem temas a minha ida;
Sei que parto hoje, mas em breve voltarei.

Guarda um pedaço do meu coração contigo.
Te amo."

Aquelas últimas palavras que não foram ditas encheram de cor a paisagem em preto-e-branco da despedida, e as lágrimas puderam dividir, com um sorriso, o rosto da moça (e do rapaz).

Um comentário:

Anônimo disse...

Amavisse
de Hilda Hilst

Como se te perdesse, assim te quero.
Como se não te visse (favas douradas
Sob um amarelo) assim te apreendo brusco
Inamovível, e te respiro inteiro

Um arco-íris de ar em águas profundas.

Como se tudo o mais me permitisses,
A mim me fotografo nuns portões de ferro
Ocres, altos, e eu mesma diluída e mínima
No dissoluto de toda despedida.

Como se te perdesse nos trens, nas estações
Ou contornando um círculo de águas
Removente ave, assim te somo a mim:
De redes e de anseios inundada.

(II)

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